O papa Francisco foi um importante contraponto à subida da direita populista/patriótico pelo mundo, inclusive em países historicamente católicos uma vez que Itália e Brasil. A questão é se, sem ele, a Igreja Católica continuará a ter esse papel.
O catolicismo progressista, filho do espírito do Concílio Vaticano 2º, hoje é idoso e com muita dificuldade de se renovar. Gestos simbólicos importantes de Francisco, uma vez que dar uma bênção a casais homoafetivos e de segunda união —um pouco que ainda passa longe de uma aprovação deles uma vez que um matrimônio real—, geraram esperança e até espanto da sociedade não católica, mas não sua conversão. Onde a igreja mais cresce —os campos de missão da Ásia e África— a mensagem da fé é de certeza e crédito, pronta para se declarar perante o mundo, e não uma fé cônscio de suas falhas e disposta a revisar práticas milenares.
Nos EUA, levantamento parcial feito pelo jornal National Catholic Register indica um aumento significativo de conversões nos últimos anos. No Brasil, a evidência é mais anedótica, mas parece que as igrejas estão enchendo de novo. E, ao mesmo tempo em que protestantes seguem ganhando conversões no povo, há um forte movimento de conversão da elite ao catolicismo. (Muitas vezes é a “conversão” de pessoas nominalmente católicas mas que não praticavam a fé.)
E pode apostar que esses conversos são conservadores. Se você decide entrar na Igreja Católica —um movimento que eu mesmo fiz 20 anos detrás— não é em procura das mesmas coisas que você já tinha fora dela. As pessoas buscam certezas para suprir suas angústias, não dúvidas.
A igreja idealizada por Francisco é despojada, social, autocrítica, ensejo e democrática. Mas, se for para ser assim, precisa mesmo da Igreja Católica? Talvez a rito enxurro de pompa, a teoria da igreja monárquica, santa e infalível, do sentimento de luta místico contra um mundo malévolo e contra a decadência da cultura e da tradição não sejam obstáculos, e sim atrativos.
No filme “Conclave”, que concorreu ao Oscar deste ano, um papa progressista recém-falecido conseguiu armar um esquema para —com uma ajudinha em boa hora da mão de Deus—, eleger um sucessor santo e ainda mais progressista. Francisco fez sua secção: 80% dos cardeais foram escolhidos por ele e devem pender para sua visão de mundo. Mas as pressões históricas, demográficas e de mercado empurram na direção de uma igreja mais conservadora. Imagino que muitos cardeais sintam os sinais dos tempos, e duvido muito que o dedo de Deus chegue para mudar esse rumo.
A igreja é uma reino absolutista com um processo de seleção aristocrático. Por isso que o conclave nos fascina. É tradição, a cada novo conclave, fazer palpites e errar fragorosamente. Seja uma vez que for, cá vai o meu: o momento não está promissor para o catolicismo progressista representado por Francisco; o próximo papa deve ser mais conservador. Um papa terceiro-mundista, com uma mensagem que ajude os pobres do mundo ao mesmo tempo em que reafirma o ensino moral tradicional da igreja, inclusive como fator de coesão da identidade católica. Terá suas críticas inclusive à direita populista mundial, mas não será o queridinho de liberais e do mundo secular.