Desde que voltou da suas últimas viagens ao Quênia —a primeira das cinco foi ainda em 2017— e, mais recentemente, à Etiópia —onde esteve duas vezes—, o treinador paulistano Ademir Paulino, 47 anos, possuidor da assessoria de corrida que leva seu nome, tenta incutir em seus alunos alguma coisa da experiência, ou melhor, do saber, dos corredores africanos.
Esse saber pode ser sintetizado pela frase “percepção subjetiva do esforço”.
A teoria é que seus alunos conheçam, sem se servir de relógios ou celulares, o próprio ritmo (pace) de corrida, mesmo que em situações muito distintas de esforço. Para Ademir, essa é uma maneira de comprar um autoconhecimento que “pode ser transformador” para a vida, não só para o cascalho.
“Entendo a corrida uma vez que uma forma de desenvolvimento pessoal. E a sensação subjetiva te obriga a prestar atenção em você mesmo”, explica.
Ademir, que já foi vencedor mundial de aquatlon (o nome oficial do biatlo –corrida e natação em distâncias curtas), disse à pilastra, numa manhã ensolarada no parque Ibirapuera, que em alguns treinos pede que seus alunos retirem do pulso seus relógios e tentem aguçar a tal percepção.
Essa é uma capacidade, ele diz, que tinham os amadores que treinavam nos anos 1990 com ele, ali mesmo, no Ibira. Gadgets de corrida, é verdade, eram virtualmente inexistentes.
A percepção subjetiva do esforço substitui uma medida convencional, a do batimento do coração. “Não sabor do treino com base na frequência cardíaca. Ela é um indicativo entre vários outros e ainda sofre influência da sustento, do sono, do nível de estresse.”
Há mais do que um oceano a separar os corredores amadores brasileiros que Ademir treina de seus pares africanos. Além da discrepância econômica –ter sucesso no cascalho no Quênia ou na Etiópia significa conseguir uma profissão–, há enormes diferenças culturais. Do muito que viu, e que inclusive tornou-se documentário patrocinado pela Olympikus –veja-o aqui–, Ademir sempre realça o vista coletivo, ou melhor, “tribal” da atividade.
“Quando saem para percorrer em grupos de dezenas, às vezes centenas, as pessoas não falam, não brincam, não usam fones de ouvido, hidratam-se pouco”, diz.
É o que se labareda hoje de atenção plena e que na África vem no pacote, uma vez que default, muito provavelmente pelo reverência quase devocional que os africanos nutrem pela corrida.
Ademir também importou os exercícios educativos, que são feitos diligentemente por todos os corredores que viu na África, em sessões que podem resistir até 50 minutos. Depois disso, eles saem para volumes sempre altos de corrida.
Alguns desses educativos, que poderiam servir perfeitamente uma vez que alongamentos para bailarinos, Ademir insere até mesmo nas pausas do treino intervalado.
Quanto a fabricar no Brasil esse sentimento de devoção à corrida que o faz sempre querer voltar à África, essa é uma guerra mais renhida, quase quixotesca. Ao menos ele tem aproveitado os eventos em que é chamado a palestrar para falar desse “espírito tribal”, desse “contato com a terreno” –contato muitas vezes literal, oferecido que muitos africanos correm descalços.
Em suma, percorrer é suficiente. Para praticar essa atividade prescinde-se de relógio, de meia colorida, whey, Instagram, cantil. Talvez seja necessário conhecer-se um pouco.