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Bateau Mouche: Série da Max reúne depoimentos das vítimas – 15/03/2025 – Thiago Stivaletti

Trinta e um de dezembro de 1988, noite de Réveillon. O Bateau Mouche IV, embarcação originalmente construído para receber 28 pessoas, sai de Botafogo com uma lotação de 153 pessoas numa grande sarau com jantar para ver os fogos na praia de Copacabana.
Com o mar alvoroçado, o barco naufraga, provocando a morte de 55, incluindo idosos e crianças. O incidente é relembrado em detalhes na série “Bateau Mouche: O Naufrágio da Justiça”, que o streaming Max estreia na próxima terça, dia 18.
O primeiro incidente nos coloca no coração do naufrágio, fazendo uma remontagem enxuta, mas eficiente do desespero das vítimas em sobranceiro mar, tentando se salvar enquanto buscavam parentes em meio ao caos e à negrume das águas. O segundo entra nos detalhes daquilo que uma das depoentes labareda de “suco de Brasil”: uma mistura de negligência e depravação que levou ao sinistro.
Entre as negligências, o salão estava superlotado, as passagens dentro do embarcação eram muito apertadas e ninguém foi informado de onde estavam os coletes salva-vidas. Pior: havia uma autorização da Capitania dos Portos para que a embarcação navegasse com tanta gente.
A depravação aparece por meio de algumas testemunhas, uma vez que um turista americano que afirma ter visto dois dos empresários responsáveis pelo embarcação subornando um funcionário da Capitania para liberá-lo.
Um dos momentos mais arrepiantes da constituição é quando uma segmento dos sobreviventes resgatados por um pesqueiro os leva de volta à sede do Clube Sol & Mar, onde rolava uma sarau de Réveillon com jantar.
Eles começam a espancar no vidro enquanto lá dentro rola uma sarau com música subida e convidados elegantes. Alguns funcionários da sarau tentam barrar os náufragos, para “não atrapalhar” o evento que rolava no salão. Solidariedade passa longe.
A prensa cobriu o caso por meses, ajudando a cobrar os responsáveis. Mas eles eram poderosos: um grupo de 13 empresários, entre eles espanhóis que tinham dezenas de negócios no Rio de Janeiro, entre restaurantes, hotéis e concessionárias de automóveis.
A direção é de Tatiana Issa, responsável pelo ótimo filme sobre os Dzi Croquettes e a série sobre Daniella Perez, um dos produtos de maior sucesso da Max no Brasil; e de Guto Barra, que codirigiu com ela a série sobre a atriz.
Eles conseguem extrair ótimos depoimentos das vítimas, entre lembranças emocionadas do naufrágio –quase todos admitem que lembram do traumatismo ainda todo dia, 36 anos depois– e relatos indignados da trajetória de impunidade aos empresários.
A VILÃ DAS SEIS
Naqueles dias, o Brasil vivia o frisson do “Quem matou Odete Roitman?”, na reta final da romance “Vale Tudo”. Na sarau do Bateau Mouche, estava Yara Amaral, uma das maiores atrizes do Brasil, que havia feito de encarnar a segunda maior vilã de 1988: a pérfida Joana Flores de “Fera Radical”, sucesso do horário das seis.
Yara morreu no naufrágio muito jovem, aos 52 anos. Seu rebento Bernardo, que tinha 15 anos quando sobreviveu ao naufrágio, foi um dos maiores responsáveis pela luta incessante por Justiça que se seguiu ao longo de décadas, idealizando também a Associação de Vítimas que ajudou a pressionar o Judiciário.
Se você não quer SPOILER sobre o desfecho do processo, não leia nascente último parágrafo. Mas, em se tratando de Justiça, o Brasil não comporta grandes spoilers: o final é quase sempre o da impunidade. O primeiro processo, de 1990, inocentou os 13 empresários.
O segundo condenou Álvaro Pereira e Faustino Vidal, presentes na noite fatídica, a prisão em regime semiaberto. Com seis meses de pena, os dois fugiram para a Espanha e lá montaram novos negócios. Houve um pedido de extradição do governo, refutado pela Justiça espanhola.
Unicamente algumas famílias até hoje receberam qualquer tipo de indenização. E a Marinha não quis dar prova para a série. É uma instituição que há tempos não se dá com a prensa e a liberdade de frase. Vale lembrar, trata-se da única Força Armada que deu apoio irrestrito à tentativa de golpe de Jair Bolsonaro em 2022.
“Bateau Mouche: O Naufrágio da Justiça”
Série em três episódios; um por semana
Estreia nesta terça (18) na Max