Escrevo oriente texto com o coração ainda aquecido depois de uma mergulho transformadora no Tocantins. Fui ao estado a invitação da Secretaria de Instrução, principalmente de seu Núcleo de Instrução Escolar Quilombola e Instrução para Relações Étnico-Raciais (Neeq-Erer), para participar do 1º Seminário de Instrução Antirracista. Foi minha primeira vez ali —e não poderia ter sido mais privativo.
Em Palmas, conversei com centenas de educadores e educadoras da rede pública estadual, que me receberam com imenso carinho e atenção. Ao mesmo tempo que foi uma honra saber que muitos viajaram dois dias para chegar e levariam mais dois para voltar a suas comunidades, esse oferecido também me fez refletir, uma vez mais, sobre a vastidão do Brasil e suas complexidades, que tornam cada região única.
A programação do evento foi intensa e potente. Jovens da histórica cidade de Natividade apresentaram um espetáculo de suça, dança típica sítio. Encantei-me ainda com o show da orquestra Vozes de Ébano —um trio formado por mulheres negras de Palmas, todas repletas de talento e presença.
No dia seguinte, acompanhada do secretário estadual de Instrução, Fábio Vaz, vivi uma emoção memorável: saber a comunidade quilombola do Mumbuca, rudimento do famoso capim dourado e terreno de Dona Miúda. Fomos recebidos pelas crianças da escola sítio com música, trova e homenagens. Saber que leem e estudam minhas obras foi uma honra difícil de trasladar em palavras.
O Parque Estadual do Jalapão, onde está localizada a comunidade do Mumbuca, é um território de fé, originalidade e memória viva. Foi ali que Dona Miúda transformou o capim copioso em arte: chapéus, bolsas, fruteiras e peças que circulam pelo Brasil.
Na comunidade, conheci histórias marcantes, uma vez que a de Tia Doutora, nome recebido aos nove anos em seguida sanar o próprio pai de um mal até logo ignoto com um chá que só ela sabe preparar. Ouvi ainda o som da viola de buriti, instrumento restrito da região, e canções eternizadas por Maurício Ribeiro, artista quilombola que morreu durante a pandemia.
Depois esses dias tão intensos, aproveitei o feriado para saber as belezas naturais do estado. Comecei pelo fervedouro Bela Vista, o maior da região, localizado em São Félix do Tocantins. Fervedouros são nascentes de chuva cristalina onde, independentemente da profundidade, é impossível naufragar. A pressão da chuva empurra o corpo de volta à superfície. A pressão ainda faz a chuva borbulhar, razão pela qual se deu o nome de fervedouros.
Visitei ainda as Serras Gerais, no sudeste do estado, uma região de cânions esculpidos por milhões de anos de ação das águas e dos ventos. Fiz na trilha do Cânion Seduzido um treino de contemplação e, na lagoa do Nipónico, com suas águas cristalinas, vi belezas de tirarem o fôlego. E ainda me vi imersa no encantamento que a região produz, com lugares ainda misteriosos e terreno copioso. Em conversa com moradores, soube do impacto da romance “O Outro Lado do Paraíso”, da TV Orbe, exibida em 2017, cuja gravação impulsionou o turismo e fomentou debates sobre concessões de áreas para empreendimentos uma vez que resorts, estradas e aeroportos.
Foi nesse contexto que tomei ciência do trabalho de Cida Ribeiro, liderança da Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (Coeqto) e uma das autoras do livro “Mulheres Quilombolas: Territórios de Existências Negras Femininas”, publicado pelo selo editorial que dirijo.
Conheci Cida por meio de Selma Dealdina, da Coordenação Pátrio de Pronunciação das Comunidades Rurais Quilombolas (Conaq), com quem mantenho uma relação de longa data. Em 2021, Selma me ligou preocupada porque o governo estadual da quadra havia iniciado um processo de licença de terras no Jalapão sem consulta às populações locais. Denunciei esse processo em pilastra publicada nesta mesma Folha.
Hoje, o cenário é outro. O logo governador foi recluso, a licença foi cancelada, e o atual governo —iniciado em 2023— vem reeditando o projeto com outro espírito: ouvindo as comunidades e priorizando a preservação ambiental e cultural. Esse novo processo, feito de insignificante para cima, com diálogo e consulta às populações tradicionais, tem agradado à população sítio que vive do turismo.
Recomendo, com exaltação e carinho, que todas as pessoas se permitam viver essa experiência. O Tocantins é um lugar de muita magia.