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‘Aprenda a permanecer muito sozinho’; não aguento mais ouvir isso – 12/03/2025 – Paixão Crônico

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“Aprenda a permanecer muito sozinho” e “quando você parar de procurar vai nascer alguém” são dos conselhos mais cruéis que um solteiro pode receber. Logo, prelúdios com uma verdade libertadora: isso é moca! Mas não quero trocar uma universalização por outra. Quero provocar uma reflexão sobre a lógica desse ensinamento: o pressuposto de que “estar muito” é ser autossuficiente e a patologização do desejo.

“Eu me senhoril, eu me basto” é inclusive outro clichê, porquê se atingir um Olimpo do amor próprio fosse quesito para atrair um ser também iluminado, que não trará nenhuma demanda, libido ou incômodo. Queremos mesmo confiar nisso? Por quê?

Nenhum de nós se basta. Se há alguma coisa que a psicanálise nos ensina é que somos seres faltantes. Desde que nascemos, somos lançados no mundo com um desamparo estrutural: precisamos do outro para sobreviver, nos constituir e dar sentido à nossa experiência. O libido, longe de ser um problema a ser eliminado, é justamente o motor da vida psíquica. O que nos move é sempre uma falta, uma procura por alguma coisa que nos escapa, mas que nos mantém em movimento. Isso não é um erro, nem um sinal de que ainda “não aprendemos a permanecer muito sozinhos” —é a nossa quesito humana.

Mas talvez, para nós, ser humano seja excessivo humano, porquê diz Nietzsche —e isso nos pareça pouco. Queremos suplantar as faltas, ser sobre-humanos na esperança de atrair grandes amores. “Aprender a permanecer muito sozinho” rapidamente se torna um hiperinvestimento em si porquê estratégia para atrair bons partidos.

Uma vez que se fôssemos produtos no mercadão dos afetos, supomos que mais atributos significam mais chances de sermos escolhidos. Ainda tememos que nossas faltas pareçam falhas, porquê se desejar fosse impor uma demanda ao outro —que mal nos conhece, já carrega seus próprios fardos e provavelmente ainda não está envolvido o suficiente para furar espaço mental e emocional para atender às suas vontades.

O libido vira portanto um atestado de carência sentimental e de autonomia. Seres desejantes seriam produtos de subida manutenção, alguma coisa que caiu em desuso nos tempos de eletrodomésticos autolimpantes e eletrônicos com atualização automática. Mas podemos questionar essa lógica do consumismo afetivo e ouvir Lacan: “Pode-se amar alguém não só por aquilo que tem, senão, literalmente, por aquilo que carece”. Amamos os outros por suas faltas, vulnerabilidades e desejos. Não precisamos ser completos para sermos dignos de paixão. E falar das nossas faltas não significa que esperamos que o outro as complete.

Desejar um relacionamento, portanto, não só não é sintoma de fraqueza ou de falta de paixão próprio porquê também não deveria ser visto porquê alguma coisa que exala pelos poros porquê um odor incontrolável —uma espécie de sinal de alerta biológico que precisaria ser embuçado para não repelir possíveis parceiros. Mas, se você é mulher, já deve ter ouvido: “Será que ele não percebeu que você queria alguma coisa sério e por isso a história desandou?”. E o pior, de tanto ouvir, talvez tenha até começado a se perguntar se seu libido de estar com alguém operaria porquê uma espécie de feromônio às avessas —não um atrativo, mas um repelente involuntário.

Querer ter alguém é muito dissemelhante de precisar ou depender de alguém. E se autorizar a falar sobre isso não significa que nossas faltas são menos muito resolvidas que as dos solteiros convictos ou casados felizes. É absolutamente provável gostar da própria companhia e, ao mesmo tempo, desejar um relacionamento. Porque gostar de si não significa estar sempre muito —porque ninguém está. Há dias em que a solidão pesa, e isso não significa fracasso. A vida não se resume a um estado estático de plenitude individual, mas a um fluxo manente de encontros, desencontros e reconciliações —tanto com os outros quanto com nós mesmos.

Que possamos concordar que na solitude também habita o libido de companhia porquê secção de sua existência e não porquê falta na sua congruência. Que possamos fazer as pazes com nossos desejos conflitantes, com nossas emoções oscilantes e com nosso desamparo. Que nos permitamos provar nossos desejos sem pudor e tenhamos coragem de não receber os desejos alheios porquê tarefas. São só desejos, pulsões de vida, de conexão, de alguém tão faltante quanto você, que ao te desejar não espera que você elimine todas as suas faltas. Ninguém vai. Não precisamos fazer essa prelecção de moradia prévia nem delegá-la ao outro. Mas, se tivermos sorte, podemos encontrar um espaço de troca, construção e compartilhamento de imperfeições. E isso, por si só, já é muito.

E se você também tem um dilema ou uma incerteza sobre suas relações afetivas, me escreva no colunaamorcronico@amorespossiveis.love. Toda quarta-feira respondo a uma pergunta cá.


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