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A Igreja fechada – 25/04/2025 – Demétrio Magnoli

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“Mãe não é estado social”, explicou, deplorando os preconceitos contra mães solteiras. “Quem sou eu para julgar?”, indagou, referindo-se à prática da Igreja de exprimir condenações aos gays. Francisco será lembrado uma vez que um papa que cultivou a empatia com as pessoas comuns, com a vida humana uma vez que ela é. No lugar de editos imperiais sobre o firmamento e o inferno, a virtude e o vício, escolheu a humildade da incerteza. Quis empuxar a Igreja para fora do Palácio, na direção das ruas. Suas reformas, porém, ficaram quase circunscritas ao contexto simbólico ou cenográfico.

Francisco enfrentou a resistência dos tradicionalistas para, com sucesso parcial, transfixar caminho à sociedade de divorciados que voltam a se matrimoniar. Empenhou-se na missão espinhosa de sanar a ferida dos escândalos de pedofilia na Igreja, mas não atacou as raízes da repulsão. Seu reformismo morno contrasta com as emoções suscitadas pela figura de um papa avesso à santidade ostentatória.

O “patriarca das favelas”, uma vez que Bergoglio ficou espargido na sua Buenos Aires, nunca desejou destruir as muralhas históricas que a Igreja ergueu em torno de seu forte. O celibato clerical e o veto à ordenamento de mulheres, temas essenciais para o horizonte do catolicismo solene, permaneceram no recinto reservado aos tabus.

Nenhum dos dois pertence à esfera dos dogmas ou da teoria. São regras de disciplina organizacional estabelecidas na hora em que Roma alçava o cristianismo ao regimento de religião imperial. O Sínodo de Elvira (circa 305) impôs o celibato e, pouco mais tarde, o Primeiro Concílio de Niceia (325) proibiu a ordenamento sacerdotal feminina. A “família da Igreja” separava-se das famílias, formando um corpo hierárquico separado da sociedade. Naquelas decisões encontram-se, por sinal, as fontes profundas do crônico afronta de menores no meio eclesiástico.

Uma vez que interpretar o sentido das deliberações de Elvira e Niceia? Sob a influência da visão marxista, uma fluente teórica sugere que sua finalidade era impedir que os filhos dos clérigos herdassem patrimônios da Igreja, formando dinastias privadas. A tese parece uma sólida explicação para a perenização das duas disciplinas, mas não passa no teste das circunstâncias históricas nas quais surgiram.

O Sínodo de Elvira foi uma reunião precária de 19 bispos e 36 presbíteros da atual Andaluzia. Niceia congregou mais de 200 bispos, mas realizou-se sob o patrocínio do imperador Constantino 1º. A Igreja que começava a se organizar carecia de patrimônios significativos.

Uma tese escolha derrama luzes mais nítidas. Nos primeiros séculos, o cristianismo foi um movimento revolucionário: uma objecção popular das estruturas de poder de Roma. Não faltavam pregadores casados e as mulheres ocupavam as linhas de frente na divulgação da novidade fé. Mas, com a conversão de Constantino, o que era revolução sedimenta-se uma vez que instituição. No início do quarto século, a Igreja submete à ordem o povo cristão, ergue as basílicas romanas e incorpora a cultura patriarcal do Predomínio Romano.

A Igreja, reino de ambições imperiais, sobreviveu a Roma, à fragmentação medieval, à primazia do Estado-nação, ao tumulto da modernidade. O papa que se apaga pertence a uma tradição de mudanças adaptativas multisseculares. O pretérito esmaga o presente: Elvira e Niceia estão entre nós.


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