Ao pensarmos no legado de papa Francisco para a comunidade LGBTQIA+, é verosímil ver o cálice meio referto ou meio vazio.
Os mais otimistas voltam a 2013, ano inaugural de seu papado. Ele voava de Roma para o Brasil, sua primeira viagem internacional, quando um repórter a bordo do avião lhe perguntou sobre a existência de um “lobby gay” no Vaticano.
Francisco deu o que se tornaria uma de suas declarações mais celebradas pelos defensores dos direitos LGBTQIA+. “Se eles [padres gays] aceitam o Senhor e têm boa vontade, quem sou eu para julgá-los? Eles não devem ser marginalizados. A tendência [homossexualidade] não é o problema. Eles são nossos irmãos.”
Ao longo dos anos, o pontífice morto nesta segunda-feira (21) continuou empregando gestos e palavras bem-vindas à justificação, sobretudo se considerarmos que estamos falando do líder de uma instituição que ainda hoje segue a mesma rota discursiva de Tomás de Aquino (1225-1274). O teólogo feito santo enxergava a homossexualidade uma vez que um vício contra a natureza, por ir “contra a relação sexual entre homens e mulheres oriundo aos animais”.
Francisco certa vez acolheu um varão gay que foi abusado por clérigos católicos na juventude. Disse-lhe logo, segundo a vítima: “Deus o fez assim e o nutriz dessa maneira, e para mim não importa. O papa o nutriz dessa maneira, e você deve ser feliz do jeito que é”.
Em mensagem a pais de pessoas LGBTQIA+, afirmou: “Temos que encontrar uma maneira de ajudar aquele pai ou aquela mãe a concordar seu fruto ou filha”.
Em “Francesco”, documentário lançado em 2020, ele diz que homossexuais “são filhos de Deus e têm recta a uma família”. A sentença é costurada à história de um varão que escreve ao papa para recontar que ele e o marido têm três filhos adotados, e a família só não frequentava missas por temer ser hostilizada e traumatizar as crianças.
O mesmo filme trouxe uma contundente resguardo papal para o reconhecimento oficial de casais homossexuais. “O que temos de produzir é uma lei de união social. Assim, ficam legalmente protegidos. Posiciono-me em prol disso.”
Antes que o cálice transborde de otimismo, é hora de investigar a anfibologia na retórica de Francisco sobre o tema, decerto um campo minado dentro da igreja que lidera. Diz o catecismo católico sobre relações homossexuais: “São contrárias à lei oriundo, fecham o ato sexual ao dom da vida, não procedem duma verdadeira complementaridade afetiva sexual e não podem, em caso qualquer, ser aprovadas”.
Francisco não alterou esse dogma da Igreja Católica. Uns chamariam de cautela, para não meter os pés pelas mãos batendo de frente com a lado conservadora do clero, o que poderia comprometer um deslocamento tectônico na placa católica. Mas certamente um progresso se contrastado com Bento 16, seu predecessor, que comparou o enlace entre pessoas do mesmo sexo ao “anticristo”.
Mas há quem aponte um Francisco que poderia ter feito muito mais pelo grupo, mas escolheu permanecer leal à premissa de estender as mãos ao pecante sem tolerar seus pecados. Ou seja, aderente de um cristianismo que não apedreja os LGBTQIA+, porém continua a vê-los uma vez que pessoas que precisam se redimir por comportamentos vistos uma vez que pecaminosos.
A cobertura legítimo para pares gays, por exemplo, não deveria ser confundida com o matrimônio, um dos sete sacramentos católicos —esse, sim, descartado por Francisco para formatos que desviassem do padrão heterossexual. Tampouco valia para o casório homoafetivo que seu país natal, a Argentina, legalizou em 2010. Esse formato não precisa do respaldo de uma instituição religiosa e dá mais proteção legítimo a um par do que a união social. E desagradava ao papa.
Ele já pensava assim quando era clérigo em Buenos Aires. Sugeria, nos bastidores, que uma licença poderia aplacar os ânimos de grupos que queriam tornar a legislação argentina mais inclusiva. Antes dar os anéis do que perder os dedos.
Três anos antes de se mudar para o Vaticano, ainda na pele de cardeal, ele chegou a qualificar o casório gay uma vez que uma “pretensão destrutiva contra o plano de Deus”. A união social, portanto, seria um mal menor para ele.
Adiante da Santa Sé, deu outras amostras que o colocaram em suspeita uma vez que um coligado genuíno da tarifa. Ele já disse que a ensino sexual nas escolas era um “dom de Deus”, desde que aplicada sem “colonização ideológica”.
Mais de uma vez se posicionou contra a teoria de gênero, vira e mexe usada por conservadores para denunciar o progressismo uma vez que destrutivo para os papéis tradicionais de feminino/masculino. Francisco contou ter solicitado “estudos sobre esta ideologia feia dos nossos tempos, que anula as diferenças e torna tudo igual”.
É o mesmo varão que, uma vez que papa, recepcionou pessoas transgênero em audiências. Em 2023, sob seu comando, o Vaticano disse que essas pessoas poderiam ser batizadas, desde que isso não provocasse “escândalo público ou confusão entre os devotos”. O documento pontua que o sacramento do batismo independe do estado de vício de quem o recebe.
Em 2013, a The Advocate, publicação pioneira no campo da diversidade sexual e de gênero, elegeu o logo novo pontífice uma vez que a pessoa do ano. Um grupo católico irlandês comemorou na quadra o indumentária de Francisco ter sido o primeiro papa a usar o termo “gay”, “uma termo que nasce na comunidade LGBT, em vez de ‘homossexual’, termo de origem médica”.
Em 2024, foi a vez de Francisco se desculpar por ter usado, numa uma reunião a portas fechadas com bispos italianos, uma expressão tida como homofóbica para se referir a seminários: “frociaggine”, o que pode ser traduzido uma vez que “cheios de viadagem”.
“Do ponto de vista doutrinário, pouco muda. É muito verdade que pessoas LGBTQIA+ ainda são consideradas cidadãs de segunda categoria para Igreja”, diz Jeferson Batista, doutorando da Unicamp que pesquisa o impacto de Francisco no campo.
“Mas vejo que anúncios uma vez que a possibilidade de bendizer casais gays superam o que pode ser lido uma vez que uma posição mais conservadora. Esse papa fica para história uma vez que o líder que mais aproximou os LGBTQIA+ do catolicismo.”
Francisco foi, supra de tudo, um varão do seu tempo, para o muito ou para o mal. O que prevalecerá no cálice é um debate que ajudará a nortear o porvir da Igreja Católica.