Conecte-se conosco

Esporte

Manifestar que não está pronto para relação é se isentar – 09/04/2025 – Paixão Crônico

Published

on



Os cautelosos, pretensiosamente educados, dirão que é responsabilidade afetiva. Mas, cá entre nós, muitas vezes essa frase soa mais uma vez que uma novidade epístola do “Super Trunfo relacional” —uma espécie de epístola de isenção de responsabilidade. Não é que não se queira alguém. É que não se quer conflito. Não se quer ser demandado. Não se quer mourejar com as frustrações do outro. Nem com as próprias.

A frase, dita em jantares descolados e conversas profundas, ganha tom sagrado, uma vez que se o outro tivesse que assinar um contrato: “Declaro que estou cônscio da isenção de responsabilidade emocional da pessoa à minha frente. Não cobrarei carinho, não criarei expectativas, não me frustrarei se você sumir”. Curiosamente, o mesmo sujeito que “não quer se envolver” viaja junto, apresenta à família, compra rejunte no C&C… Mas, se for cobrado, saca a epístola: “Eu avisei”.

Há uma dimensão de gênero nisso tudo. Entre os homens, essa “transparência emocional” virou armadura contra o cancelamento. Um machismo polido, embuçado de maturidade, que presume que a mulher, obviamente, quer namoro, envolvimento profundo, um oceano de certezas que lhes causam náusea só de vislumbrar. Nem lhes passa pela cabeça que estamos exclusivamente curiosas, dispostas (o que não é sinônimo de disponíveis), interessadas em mais um jantar gostoso —não necessariamente no paixão da vida.

O indumentária é que quando o matéria “não quero relação” já surge nos primeiros encontros, parece possuir uma cobrança para que você também se posicione. Será mesmo que precisamos falar sobre isso tão cedo? Ou há alguma sabedoria em sustentar nossa versão Glória Pires e ainda não ser capaz de opinar?

Aparentemente, a “clarificação precoce” não atinge só quem foge de compromisso. Segundo o relatório global do Happn 2024, 89% dos solteiros brasileiros querem um compromisso recíproco e desejam alinhar expectativas e intenções o quanto antes. Ou seja: nove em cada dez brasileiros querem a promessa do paixão sem o risco da frustração. Por que será que estamos tão infelizes no amor?

Tanto quem antecipa o “não estou pronto para uma relação” quanto quem espera que o outro saiba exatamente o que quer desde o início —e, pior, se ilude achando que sabe exatamente o que deseja— impossibilita o encontro amoroso ao negar um pouco principal ao apaixonamento: o mistério que nos move em direção a pessoa dulcinéia.

Penso em “A Sociedade da Transparência”, de Byung-Chul Han. Ele diz que nossa quadra exige que tudo seja visível, explicável e transparente e, com isso, sufoca o que é dúbio, turvo, misterioso: o terreno fértil do libido, da paixão, do vínculo. “A transparência não permite o jogo. Elimina o sigilo, a sedução, o erotismo, o esfinge. Ela é o término do outro.” O paixão pressupõe o outro uma vez que esse esfinge —mas hoje tentamos traduzi-lo e traduzirmo-nos antes mesmo de nos encantarmos por ele. O exposição da transparência afetiva virou uma resguardo moderna contra o libido. Já não se trata de amar, mas de gerenciar expectativas, evitar riscos, seguir performando autonomia mesmo diante da vontade de ceder.

Percebo que, na asserção “não estou pronto para uma relação”, o que mais se evita não é amar —é o incômodo. O atrito. O tempo de indefinição. Somos uma geração treinada a operar no “ou vai ou racha”, nas respostas instantâneas do Google e do ChatGPT. Já não sabemos suportar o tempo do não saber. A angústia. A suspensão. A convívio que vai ganhando corpo. O libido que não se explica e não sabe para onde vai. A incerteza que não se resolve no tempo de um stories. Por temor da dor ou do apego, antecipamos cláusulas e limites, uma vez que se o afeto fosse contrato e não travessia.

No fundo, poucos estão 100% fechados. Só não querem percorrer os muitos riscos: de não serem correspondidos, de perderem o controle, de amarem demais, de não conseguirem se entregar, de terem a rotina alterada, de machucarem alguém… Muitos começam relações respondendo aos medos do ex, às dores do tálamo anterior, aos ecos dos dramas familiares, tentando não repetir histórias ainda mal digeridas. E talvez esteja aí o verdadeiro problema: não é que a gente não queira amar. É que a gente não quer mais sentir tanto. Porque das últimas vezes doeu demais. Confundimos intimidade com prenúncio.

A pressa por esclarecer tudo logo no primeiro encontro —o que se quer, o que não se quer, o que está fora de cogitação —parece autoconsciência, mas muitas vezes é só temor embuçado. Pavor de errar, de frustrar, de se frustrar. Pavor de sentir demais. Só que paixão mesmo —o que pulsa, o que nos move, o que nos salva— nunca nasceu da certeza. Ele sempre foi fruto da confusão.

E se você também tem um dilema ou uma incerteza sobre suas relações afetivas, me escreva no colunaamorcronico@amorespossiveis.love. Toda quarta-feira respondo a uma pergunta cá.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul inferior.



Acesse a fonte

Continue lendo
Clique para comentar

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Chat Icon