Em atenção ao texto “O feminismo errou“, publicado nesta Folha, assinado pela colunista Mariliz Pereira Jorge, penso ser importante recorrer ao que teóricas feministas vêm dizendo há décadas —sobretudo no que diz saudação aos perigos do universalismo da categoria “mulher”. É preciso estudar antes, sob o risco de incorrer em achismos.
Digo isso porque já no título do texto há uma questão fundamental. Ao contrário do que se sugere, feminismo não é uma pessoa com CPF, ou uma empresa com CNPJ, endereço, passível de responsabilização individual. Feminismo é um movimento plural, dinâmico e intergeracional, construído fundamentalmente por mulheres —ainda que também dialogue com diferentes sujeitos políticos.
Não, feminismo não é “O Fernando” ou “O Alberto”. Não se trata de um corpo coeso, com um único exposição, mas de um campo em disputa, em manente elaboração, em diálogo com as urgências de seu tempo.
Há feminismos —no plural— ao longo de uma história de resistência, divergentes em suas formas, mas unidos em torno da emancipação das mulheres. Há feminismos que não aceitam a participação de homens no debate sobre direitos das mulheres. Há outros de trocas intelectuais –no meu caso, por exemplo, coordeno uma coleção de livros na qual publico mulheres e homens negros. Há inúmeros trabalhos assinados por homens em organizações feministas negras ao longo dos anos.
Fora isso, espaços seguros são necessários, uma vez que a grande maioria das mulheres foi assediada, quando não violentada, e elas têm todo o recta de buscar uma forma de organização em que se sintam seguras.
Se mulheres são diversas e partem de lugares e perspectivas distintas, logo zero mais óbvio do que constatar que têm o recta de se organizar de maneira dissemelhante. A estrutura de vexame enfrentada é o que as une.
Outrossim, expressar que “o feminismo errou” por excluir os homens é, no mínimo, uma inversão lógica da verdade, pois homens continuam detendo o poder nas esferas política, econômica, midiática e institucional.
O patriarcado (esse, sim, um sistema de poder coeso) humilha e subjuga mulheres historicamente, nega o recta à humanidade, violenta. As consequências são menos oportunidades, partilha sexual do trabalho, assassínio de mulheres. Quando algumas mudanças acontecem, fruto da luta feminista, as estruturas sofrem um trepidação e muitos homens não aceitam. A profusão de movimentos masculinistas está ligada ao indumentária de não aceitarem a mínima emancipação das mulheres, de desejarem, a todo dispêndio, “colocá-las novamente em seus devidos lugares”.
A dor dos meninos na série citada é real, porém ela não nasce do feminismo, mas sim das expectativas cruéis de um sistema patriarcal racista, que os ensina a não chorar, a não cuidar, a não ouvir e a odiar mulheres. O problema está na luta das mulheres ou na rigidez de um padrão que oprime todos, ainda que de formas diferentes?
Homens que se sentem deslocados diante das mudanças precisam, sim, de escora —mas não à custa da deslegitimação dos movimentos feministas. Precisam ser convidados à escuta para entender que a justiça não é uma prenúncio, mas uma possibilidade de liberdade compartilhada. E perceber que, fundamentalmente, precisam se responsabilizar pela mudança, romper com a preterição.
Dos homens que concordaram com o texto de Jorge, quantos estão efetivamente lutando para que meninos uma vez que os da série não existam? Quantos compactuam com os amigos que não pagam pensão? Quantos agem quando presenciam uma mulher ser assediada no transporte público? Onde estão esses homens quando buscamos aliados para efetivar políticas de justiça de gênero?
Culpar “o feminismo” é a saída covarde para a falta de ação. Transformá-lo em cabrão expiatório das dores do mundo é má-fé —ou, no mínimo, ignorância histórico. O que exclui, oprime e violenta é o sistema machista. O que perpetua desigualdades é a recusa em ouvir as vozes das mulheres, sobretudo das mais marginalizadas.
Por termo, libertar o feminismo do próprio umbigo, uma vez que se sugere, é, na verdade, reconhecer sua multiplicidade, sua capacidade de autocrítica e sua urgência em transformar o mundo com coragem e compromisso. Para isso é preciso menos opinião desinformada —e mais escuta atenta. Sobretudo, é necessário estudo e responsabilidade histórica.
Feminismo é sobre teoria e luta política de mulheres, pelo nosso recta a uma vida digna e livre de violência. E, ao lutar por isso, impactar o desenvolvimento de toda a sociedade.
Com todo o saudação, a Mariliz errou.