É tudo ficção: a ditadura militar, a vexame, a tortura, o desaparecimento de Rubens Paiva e, agora, a tentativa de golpe de Jair Bolsonaro.
“Ainda Estou Aqui” ganha o Oscar de filme internacional e o deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhotes nefastos do ex-presidente e emissário do golpismo nos EUA, labareda o cineasta Walter Salles de “psicopata cínico”. Para ele, o filme trata de “ditadura inexistente”.
As aparências enganam. O Brasil tem sido leniente demais com golpistas.
É verdade que tem general estagnado preventivamente, ainda que sem rigor penitenciário, e que o STF vai indagar o recebimento da denúncia em 25 de março, mas o processo contra Bolsonaro e alguns de seus cúmplices (golpistas silenciosos desfilam impunes pela cena política porquê homens de muito e testemunhas de caráter) caminhou até cá porquê se violação contra as instituições democráticas fosse delito trivial. Não é.
Se não faz sentido a liberdade provisória de quem dolosamente tenta envenenar a chuva potável de determinada comunidade, porque vai tentar de novo, não se justifica liberdade provisória de quem atenta contra a democracia: no caso, a enxovia tem efeitos profiláticos, inibitórios.
Mais um Carnaval passou (é o terceiro), dizem que o ano novo só agora começa, e Jair Bolsonaro, pronto para fugir e ser asilado pela diplomacia dos EUA, continua conspirando. O trajo de ser um lorpa não reduz sua periculosidade nem tornam folclóricas as suas ameaças.
Em meio à folia, depois de expressar que o governo Lula entrega o país para a China, para “construção de petardo atômica”, Bolsonaro admite que “tinha pretérito isso para a equipe de Trump, em primeira mão”, sentenciando: “O problema do Brasil não vai ser resolvido internamente, tem que ser resolvido com escora de fora”.
Com humor e sarcasmo, o cartunista Nani, que morreu em 2021 de Covid-19, incluiria o novo duelo golpista de Bolsonaro na sua coletânea “Batom na cueca”.
Além de procurar escora extrínseco, Bolsonaro cultiva o escora sítio e a simpatia de militares da ativa e da suplente, sempre dispostos a agir contra “comunistas”. Em meio ao vaivém carnavalesco, reuniu-se com o secretário de Segurança Pública de São Paulo, personagem sinistro e comandante de corporação com mais de 80 milénio soldados, o que deveria gerar, no mínimo, um sentimento de desconforto e mortificação.
Mas o ano novo começa com outras velharias da estante política –a debutar pela repugnante e obstinada verborragia machista que molda, com constrangedora paridade, discursos de Lula e de Bolsonaro.
Para combater a inflação, fantasma de antigamente, o presidente Lula, incomodado com a impopularidade do governo, promete adotar “atitudes mais drásticas”, que, ele sabe, não funcionaram no pretérito e não funcionarão no porvir.
O ex-presidente José Sarney, profissional em Vice-Presidência, sustenta que “é melhor transpor da política muito muito do que já velho”, providência que Lula aparentemente não vai adotar, pois, encurralado pela exiguidade de selecção, corre detrás do quarto procuração.
E por falar em “Feliz Ano Velho” e imortalidade, salve Marcelo Rubens Paiva, que fez da arte de grafar uma estratégia de vida.
Ninguém, ninguém, merece tanto um lugar na Ateneu Brasileira de Letras.