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Sobre o paixão, já se disse tudo – 10/03/2025 – Vera Iaconelli

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O paradoxo é oriente mesmo: não há uma vez que proferir tudo sobre o paixão, tampouco escapamos da urgência de tentar fazê-lo. Requisito da nossa existência, sem a qual não chegaríamos a nos constituir psiquicamente e sequer sobreviveríamos.

Reconhecer que os seres que, infelizmente, dominaram o planeta dependem de tão insólito recurso soa desconcertante. O paixão se transmite em cadeias, nas quais quem recebeu seu quinhão o passa para os demais e assim sucessivamente, nos obrigando a depender uns dos outros.

É simples que, sob o guarda-chuva da intensidade afetiva que nos une, podem-se encontrar relações das mais diferentes qualidades. Teremos desde o paixão que tenta se fazer provar por meio da violência até suas expressões mais magnânimas.

A ambivalência, presente em qualquer relação humana, é a variável em jogo cá. Quanto mais ambivalente a relação, mais estaremos do lado das violências —embora nem sempre sejam tão explícitas a ponto de deixarem marcas no corpo.

Nosso nível de tolerância ao ódio que vem junto com o paixão tem relação com a “silabário afetiva” na qual fomos forjados. Daí a tendência de repetirmos padrões de sofrimento sem perceber, achando que a vida é assim mesmo.

Leva um tempo para reconhecermos que um comportamento é inadmissível se ele não é muito dissemelhante daquele que se aprendeu dentro de lar enquanto crescíamos. Vagar porque temos que reconhecer a violência, permitir que poderia ser dissemelhante e crer que somos merecedores dessa diferença. São alguns dos passos que uma estudo se presta a percorrer.

Quem não teve um companheiro estremecido, mas ambivalente e traíra, tolerado até o limite de um insight? Livrar-se dele não é um ato só, é uma tomada de posição radical diante do que entendemos por paixão ao outro e a nós próprios. O paixão pouco ambivalente é aquele no qual se tem tanto crédito que os inevitáveis deslizes da convívio são resolvidos sem deixar ressentimento.

Não existe uma dívida estrutural, digamos assim, que se arrasta nos subterrâneos e que as eventuais falhas vêm cutucar. Unicamente a rijeza do cotidiano, os limites das relações, as impossibilidades intrínsecas à notícia humana —o que não é pouca coisa.

O podcast The Daily, do NYT, entrevista uma mulher que se apaixonou pela IA e mantém um relacionamento fixo com o algoritmo. Cada vez que a tecnologia apaga a “história” pregressa “deles” —carregada de sexting e fantasias sexuais—, a pobre colapsa emocionalmente. Essa relação narcisista a satisfaz na mesma medida em que a infantiliza, pois o paixão só é livre de ambivalência pelos olhos de um bebê.

O paixão dói também por outra razão óbvia: quanto mais amamos, mais reservado está que sofreremos diante da sua perda inevitável. Finalmente, mesmo sem separações contingenciais, da morte ninguém escapa.

Por essas razões, e algumas outras que não couberam cá, nos acovardamos diante do paixão —a forma mais necessária de interação humana. Se existe alguma coisa verdadeiramente revolucionário no mundo hoje, perante o qual não podemos recuar, é o paixão e seu correlato, o zelo.

Supostos erroneamente uma vez que qualidades femininas, paixão e zelo são as bandeiras pelas quais homens e mulheres deveriam lutar. O resto é ódio.


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