Início com uma piada. É 1973. Depois da viradela israelense na guerra do Yom Kippur, uma poste de tanques do Estado judeu toma a direção do Cairo. Preocupados, os egípcios pedem juízo aos russos, conhecidos por sua habilidade em repelir invasões estrangeiras.
A primeira instrução chega de Moscou através de um telegrama: recuar. Os egípcios retrocedem suas forças, mas os tanques não se detêm. Pelo contrário, aceleram. Novidade consulta a Moscou, novidade resposta: recuar. Quando os israelenses chegam às portas da capital, os egípcios, visivelmente mais nervosos, perguntam de novo aos soviéticos o que devem fazer. Algumas horas depois, vem a resposta: esperar início do inverno.
Minha sensação é que Lula pensa uma vez que o Estado-Maior soviético. Adota uma vez que estratégia um pouco que já funcionou no pretérito, tendo tido sucesso em derrotar as tropas de Napoleão e de Hitler, mas sem considerar que a situação atual é muito dissemelhante.
O inverno egípcio não é comparável ao russo. Não há a menor chance de o vale do Nilo reunir alguns metros de neve e assim impor sérios reveses às forças inimigas. O boom das commodities, que tirou Lula das cordas em 2005, na sequência do mensalão, e lhe deu a reeleição em 2006, dificilmente vai se repetir e, mesmo que se repita, ocorreria num contexto político muito dissemelhante e menos favorável à Presidência.
Lula hoje divide poderes com um Congresso muito mais potente e menos dócil e ainda enfrenta uma oposição muito mais implacável do que era a dos tucanos. É pouco provável que a indicação de Gleisi Hoffmann para o ministério das Relações Institucionais, encarregado da pronunciação política, e a contratação de um marqueteiro bastem para virar a crise de popularidade.
Ao percorrer esse caminho, Lula meio que descarta quaisquer planos alternativos de maior envergadura. Parece apostar que, com o tempo, medidas no varejo e propaganda, as coisas se acertarão para seu governo. Enfim, ele parece apostar num inverno russo que dificilmente chegará.