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Com IA, nosso conhecimento e nossa ignorância aumentam – 27/01/2025 – João Pereira Coutinho

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Casos de longevidade são casos de curiosidade. Falo do que conheço. Gente com 80, 90, século anos? Não foi unicamente a dieta, o jogging ou a medicina que prolongaram a vida. Foi a curiosidade: a anelo regular de saberem um pouco mais do que sabiam no dia anterior. Se isso é válido para os meus conhecidos, é válido para Henry Kissinger, morto aos cem, que continuou pensando, escrevendo e publicando até o termo. Um tema, em privado, ocupou os neurônios do cavalheiro na tempo crepuscular: a inteligência artificial.

Nas palavras do seu biógrafo, o historiador Niall Ferguson, faz sentido: se o poder destrutivo das armas nucleares ocupou grande secção da sua vida, era inevitável que os desafios da lucidez sintético também aparecessem no radar. O resultado dessa curiosidade pode ser lido no seu último livro, “Genesis”, que escreveu em coautoria com Craig Mundie e Eric Schmidt.

É a existência humana que está em pretexto, argumentam eles. Não unicamente no sentido mais substancial da frase. Há dimensões dessa existência que podem mudar de forma mais sutil. A história da humanidade é a história do seu desenvolvimento tecnológico, de uma vez que a espécie saiu da caverna, inventou a lavradio, criou cidades, melhorou os transportes, combateu doenças, pisou a Lua.

Mas, em todas essas etapas, o conhecimento andou de mãos dadas com o entendimento. Os humanos eram, ao mesmo tempo, criadores e beneficiários de uma tecnologia que dominavam.

Não com a lucidez sintético. Nosso conhecimento, em todas as áreas, será aumentado exponencialmente. Mas isso se dará por processos que não entendemos. Teremos informação sem explicação.

Uma vez que argumentam os autores, viveremos um horizonte que será muito semelhante a um tempo pré-científico e pré-moderno, em que os seres humanos aceitavam uma mando inexplicável. Qual o problema? Ninguém falou em problema. Repito: os avanços serão exponenciais. Mas quem pensa que a perda de regimento intelectual dos humanos face às máquinas é um mero pormenor está traído.

Tradicionalmente, só Deus estava supra dos humanos. Mas, cá na Terreno, os humanos estavam supra de todas as restantes espécies. Essa jerarquia vai terminar no século 21. Seremos destronados uma vez que modelos de lucidez. Estaremos preparados para o termo da nossa singularidade? Para o termo do nosso narcisismo? O mesmo em termos políticos. Não é preciso pintar cenários de catástrofe para esse mundo escravizado pela lucidez sintético. As coisas podem ser mais sutis.

Durante milênios, as nossas sociedades foram sendo organizadas por princípios ou instituições que variaram menos do que imaginamos. Não interessa se falamos de democracias ou autocracias. Nossos regimes políticos seriam reconhecíveis por um heleno do século 5º a.C.

Uma vez que seriam reconhecíveis os vícios e as virtudes dos nossos governantes. O que existe neles de racional ou irracional, pragmático ou irascível, louvável ou insuportável. Um heleno velho, fascinado pela teoria platônica de rei-filósofo, saberia reconhecer que as nossas sociedades, tal uma vez que a dele, não conseguiram realizar esse ideal. Por quê?

Porque somos limitados. Não conseguimos processar toda informação que existe; não conhecemos as leis da natureza humana; não temos a sabedoria necessária para fazer as escolhas mais sábias. Uma vez que lembrava o príncipe da Dinamarca, temos tanto de nobreza uma vez que de pó.

A promessa da lucidez sintético é a promessa de um rei-filósofo, uma entidade capaz de fornecer respostas perfeitas, suprindo as paixões humanas. Qual é o problema? Mais uma vez, ninguém falou em problema. Mas uma vez que negar que existem dimensões da nossa existência que podem ser tão importantes ou até mais importantes do que esse utilitarismo do dedo? “Senhor a justiça, mas senhoril também a minha mãe”, dizia Camus sobre a luta pela libertação da Argélia e seus métodos mais radicais.

Uma vez que lembram os autores, guardar a nossa humanidade perante a contingência pode ser a única forma de conservamos também o nosso livre-arbítrio. De não sermos, enfim, meros escravos de um algoritmo. Nas obras sobre a lucidez sintético, normalmente encontramos dois extremos: um otimismo delirante e um pessimismo delirante, sem espaço para as questões fundamentais.

“Genesis” é um livro vasqueiro porque prefere as perguntas às respostas. Questiona se no horizonte seremos nós a alinhar-nos às máquinas —uma simbiose neuronal, uma vez que defendem os transumanistas— ou se devem ser elas a alinharem-se aos nossos melhores valores humanos. Isso implica saber que valores são esses e quem somos nós. A vida será longa para quem procurar essas respostas.


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