A subida da extrema direita na Europa e na América reavivou o debate sobre os impasses enfrentados pelas correntes de meio esquerda ou de esquerda, em declínio eleitoral. Dos dois lados do Atlântico Setentrião, os progressistas perdem voto entre seus eleitores tradicionais, muitos dos quais têm migrado para partidos situados no extremo oposto do espectro político. Esse deslocamento varia de tamanho conforme o país. Mas tem porte suficiente para cevar intensas discussões entre socialistas e social-democratas europeus, muito uma vez que entre democratas americanos.
Os críticos situam o problema nos programas e no exposição político progressistas. Ao focalizar temas de reconhecimento e de comportamento —as questões “identitárias”, combustível das chamadas guerras culturais—, os partidos estariam alienando os trabalhadores menos educados, com níveis de renda também menores, atitudes mais conservadoras e outras preocupações cotidianas.
É o que argumenta o economista gálico Thomas Piketty quando trata do surgimento de uma “esquerda brâmane”. Pensam o mesmo, entre outros, o pesquisador político germânico Yascha Mounk; a filósofa americana Susan Neiman; o pesquisador político seu conterrâneo Mark Lilla. Para todos eles, o que conta é o desencontro entre as ideias que hoje definem o progressismo e o eleitorado tradicional dos partidos de esquerda.
Mas há outras maneiras de enquadrar a questão. Em “Abundance” (Riqueza), escrito a quatro mãos por Ezra Klein e Derek Thompson, influentes colunistas do New York Times e do Atlantic, respectivamente, eles sustentam que os impasses do Partido Democrata resultam de uma minguante capacidade de governar e entregar entregar os bens e serviços a todos os potenciais beneficiários.
Dito de outro modo, questões de boa gestão; de eficiência da máquina governamental; de simplificação das regras da gestão pública; e de inclinação para inovar seriam cruciais quando se trata de convencer o eleitorado da superioridade das políticas progressistas. Por fim, argumentam os autores, populistas de extrema direita se alimentam não exclusivamente do insatisfação socioeconômico uma vez que da ineficiência do governo que aspiram substituir.
Pelos exemplos das políticas que percorre, o livro pode parecer muito distante da veras do setor público brasiliano. Mas a abordagem sugerida é toda outra. Parece muito próxima do que têm dito e feito lideranças novas no campo da esquerda brasileira.
São os casos de Marília Campos, prefeita petista de Descrição, em Minas, já no seu quarto procuração, e de João Campos (sem parentesco), prefeito reeleito do Recife —ambos beirando os 80% dos votos no primeiro vez.
A ênfase na eficiência de gestão; na entrega de bens e serviços; na prestação diária de contas pelas redes sociais; na capacidade de erigir coalizões políticas amplas; enfim, na recusa das discussões que polarizam e dividem os eleitores parece mostrar para o vinda de soluções progressistas mais sintonizadas com as aspirações do brasiliano generalidade e mais distantes das “guerras culturais” tão a sabor do bolsonarismo.
O duelo é replicar a experiência em níveis de governo mais apartados do dia a dia dos cidadãos.